quinta-feira, 6 de novembro de 2014

Da varanda eles reviviam seu amor

O casal de velhos seguia o ritual de final de tarde.

Era assim que acontecia nos últimos vinte anos ou mais.

Sentavam-se na varanda da pequena casa, cada qual em sua cadeira de balanço, bem juntinhos, o suficiente para segurarem a mão um do outro e de vez em quando alcançar um beijo carinhoso na testa.

Os olhos miravam o por do sol. A cada centímetro que o sol descia em direção a noite sobressaltava sobre o coração dos velhos uma lembrança. Elas vinham quase sempre em ordem. Coração, mente e alma dos dois naquela altura da vida estavam em tamanha sintonia que pareciam sentir e se lembrar do mesmo e ao mesmo instante.

Prova disso era a troca de olhares furtivos e sorrisos algumas vezes maliciosos, quando sabiam eles, a lembrança provocava sensações agradáveis ao coração e ao corpo. Do mesmo modo, determinada altura do sol sobre o crepúsculo, lançava uma sombra sobre o casal. Talvez fosse a lembrança do dia em que ela, ainda lá no começo, há mais de 50 anos passados, decidiu que não era amor e que não valia a pena lutar. Logo depois a expressão de angústia era substituída por um semblante de alívio e agradecimento, quado ambos recordavam que não fora o fim, mas apenas um novo começo, e que tudo o que tinha ocorrida tinha uma razão. O amor as vezes precisa ser botado a prova. O deles tinha passado no teste. Tudo o que o velho tinha feito não havia sido em vão. O amor prevalecera. Pelo simples fato de ser amor.

Ali sentados em suas cadeiras de balanço, o casal de idosos revivia os momentos que marcaram sua vida a dois.

Como ela entrou na sua vida, a primeira vez q se viram, o começo do namoro. O final superado. A volta celebrada. E as conquistas, as vitórias, as viagens. E então a família. Não fora planejado, mas fora muito bem vindo. Uma menina. Dois anos depois um garoto.

Os velhos amantes, agora de mão dadas, lembravam com maior carinho dessa época, As crianças pequenas, correndo pela casa, enchendo o ar de alegria, risos e amor. A velha particularmente nesse momento recorda de uma promessa feita há mais de 50 anos, quando numa noite de sábado, parados em uma esquina em meio a abraços cheios de saudade, beijos sofridos e sentimentos contraditórios, afinal nenhum dos dois, apesar de tanto desejarem por aquilo, julgaram que aquele momento pudesse novamente acontecer. O velho - que na época era apenas um rapaz - lhe disse: _"o que eu tenho pra lhe oferecer é isso, todos os dias quando você chegar em casa cansada do trabalho, vai encontrar nossos filhos correndo pela casa, sorrindo e brincando, vai me ver ali cuidando deles, cuidando de você...então você vai saber o que é O AMOR"_. A senhora de cabelos brancos nunca deixou seu companheiro perceber, mas sempre nesse momento uma lágrima lhe foge dos olhos. Sim, o velho cumpriu sua promessa. Ela aprendeu o que era amor através dele, de seu carinho e sua dedicação para com ela e a família, os filhos e tudo o que dizia respeito a vida dos dois.

As lembranças se seguem conforme passa o tempo e o sol vai dando lugar a lua. Tudo o que fora vivido até ali é passado a limpo, não como alguém que faz uma auditoria na vida em busca de falhas. Mas como um leitor que é apaixonado por uma história e mesmo sabendo de cor e salteado cada palavra sente prazer em reler o livro, pois sabe que toda nova leitura trás consigo novas emoções.

O casal de velhos segue esse ritual a tanto tempo porque esse ato, essa tradição os faz bem. Passam os dia e as noites a conversar, amam fazer isso e o tem feito por toda vida juntos. Mas o por do sol para os dois é silêncio, é contemplação, é oração de agradecimento em honra a uma linda história vivida.

Nessa noite, quando a lua deu as caras, o velho levantou primeiro, gentilmente como um cavalheiro que sempre fora, ofereceu o braço a esposa, a conduziu até a sua poltrona preferida diante da tv, lhe deu um doce beijo na testa e com aquele sorriso que sempre lhe fez espremer os olhos disse: _Hoje a janta é por minha conta meu doce amor!_


Um comentário:

  1. A vida não fui dura comigo, mas já perdi a esperança de um dia vivenciar um dia como esse da história... Que coisa bem triste não acreditar mais nesse tipo de amor...

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