sexta-feira, 27 de março de 2015

Mudando de assunto, "cê tá tão bonita"

Sorrisos - Os dentes brancos, perfeitamente alinhados, emoldurados por lábios finos e divinamente desenhados em perfeição. Nem mesmo um pintor renascentista dos mais renomados, em um momento de profunda inspiração, criaria tal obra prima. Lábios estes que ao expressarem sorrisos, desarmam o mais belicoso exército invasor. Mas, ao demonstrarem descontentamento, são capazes de congelar almas. A minha ainda está congelada.

Olhares - Os olhos. Um misto de azul do céu mais plácido e do verde mais profundo oceano. Quando ela me pediu pela primeira vez que cor eu achava que eram seus olhos, minha resposta foi: Indecifrável. Naquele momento senti um ar de aprovação. Mais tarde ela me confessou que essa foi a melhor definição sobre seus olhos. Então eu a corrigi. Não era sobre a cor de seus olhos que eu me referia. Indecifrável era o jeito que ela me olhava. Ainda hoje não sei o que aqueles olhares queriam dizer. Posso apenas falar sobre o impacto que me causavam. Aqueles olhos tinham o poder de me desconstruir.

Abraços - A forma exata que aqueles braços envolviam minha alma à dela sem chance de escape. O calor que emanava do corpo dela aquecia meu sangue e deliberadamente fazia meu coração entrar em descompasso. Os braços que eram telas pintadas de cores vivas e figuras diversas: Aves, flores, planetas, monstros, caveiras, fogo, ar, terra, água, palavras e poemas. Tudo isso em dois braços de menina mulher.

Suspiros - Muito mais do que eu, ela tinha o dom da palavra. Decorava com facilidade poemas brilhantes, contava histórias épicas como se tivesse presenciado cada uma delas. Tudo isso me fascinava. Mas o que me encantava de verdade eram os seus sussurros. Isso ela fazia com maestria. Este era o momento que ela incorporava todo o seu poder. Ao menos o poder que exercia sobre mim. Naquela noite fria, no quarto escuro, debaixo do edredon, pela primeira vez ela usou desse encanto. Sussurros. Apenas isso. Com sussurros ela me levou à outros mundos, me contou segredos esquecidos por mil vidas, me fechou os olhos e expandiu a mente. Com sussurros ela me falou sobre amor, sobre dor, começo, meio e fim. Com sussurros ela velou meu sono e ganhou meu coração.

No final de tarde de inverno, sol se pondo ao longe e misturando cores laranja e amarelo com o anoitecer, os lábios dela, franzidos, faziam minha alma congelar. Aquele olhar vago de quem está incomodada com algo que deveria ser evidente, mas que pra mim não faz sentido algum. De costas pra mim, braços cruzados, demonstrando um misto de desprezo e frio, ela me ignora completamente por um tempo interminável que não sei determinar. Sei que estou caminhando na corda bamba, uma linha muito tênue separa o que já foi perfeito da total ruína. Me vem a cabeça fracassos anteriores. Toda a dor e confusão que momentos como àquele já trouxeram pra minha vida. Decido ali, diante daquele pôr do sol incrível, que dessa vez, ao menos dessa vez, eu não vou perder essa mulher. Uso da mesma arma que ela tem usado durante todo esse tempo pra me cativar e me manter sobre seu domínio. Lentamente a abraço por trás, encaixo meu corpo perfeitamente ao dela. Sinto o arrepio que percorre sua espinha dorsal e faz dobrar seu pescoço encostando sua cabeça em meu peito. Aproximo minha boca ao seu ouvido, e num doce sussurro, utilizando o tom exato, pronuncio a frase da música mais brega que me vem a cabeça - "Mudando de assunto, cê tá tão bonita, que cheiro gostoso que vem de você" -  consigo perceber em seus lábios o mesmo sorriso que iluminou meu coração no dia em que a conheci. Eu também sei desarmar exércitos.

O beijo que antecede o crepúsculo é o marco que celebra o começo do que jamais terá fim.




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