terça-feira, 9 de dezembro de 2014

Estamos lentamente dançando em um quarto em chamas

Você pode ler esse texto ao som de https://www.youtube.com/watch?v=32GZ3suxRn4


Já perdi a fé na vida algumas vezes. Duvidei do presente e do futuro tantas vezes que não sei mais contá-las nos dedos das mãos. Já estive a beira do abismo, já convivi com a escuridão, brinquei com o perigo, me afoguei com fogo e me queimei com água algumas vezes também. Deixei de acreditar, duvidei da vida das coisas do coração e das coisas da alma de todas as maneiras  que são possíveis à um simples homem se questionar. Desisti muitas vezes de olhar nos olhos pois sabia que só veria refletido ali o vazio do meu próprio olhar. Senti vergonha muitas vezes. Vergonha do que fiz, do que me tornei e do que ainda haveria de ser.

Pra servir de contra-ponto sempre fui bom em recomeços. Lamber as feridas, sacudir a poeira e recomeçar a caminhar mesmo que mancando fazem parte do meu repertório de "habilidades adquiridas à contragosto ao longo do tempo". A palavra bonitinha que da nome a isso pode até ser RESILIÊNCIA, mas eu prefiro chamar de instinto de sobrevivência. A incrível, inegável, inconfundível e mais difícil coisa de se ignorar: a necessidade de seguir em frente e provar pra si mesmo que a capacidade de chegar "lá" ainda mora em você. Se tem algo que fica gritando e martelando na sua cabeça insistentemente por horas e horas à fio, dia após dia, é essa necessidade que impera sobre todas as demais coisas importantes ou não na sua vida. Esse precisar, esse querer, essa urgência em levantar do chão, sair do lugar mesmo sem rumo definido, sem plano traçado ou objetivo meramente claro. Levantar e caminhar nem que seja a passo de tartaruga. Tudo na sua vida clama por movimento depois da queda. E de tanto cair também aprende-se a levantar.

E olha que nessa hora, a hora sagrada de se afastar do solo, erguer a cabeça e acostumar a visão ao olho-no-olho novamente, a elegância e a graça nos gestos nos atos e no andar podem tornar as coisas mais suaves e agradáveis, mas sinceramente chega determinado ponto da existência humana em que essa preocupação fica em segundo plano e mesmo sendo a trancos e barrancos, com topadas feias nas quinas escondidas da vida, escorregando aqui e ali nas estradas mal pavimentadas do cotidiano ou se agarrando com unhas e dentes nos íngremes penhascos dos dias difíceis, o que conta mesmo não é o estado em que você vai chegar, se vai estar dignamente vestido prum baile de gala com seu smoking novinho e o sapato brilhando mais que uma supernova ou se a única coisa que cobrir sua nudez for os velhos trapos que resistiram as batalhas cruéis do Bom Combate, e sim o modo como você se manteve caminhando.

Os passos foram firmes ou trôpegos? Não importa. Importa apenas se o caráter foi mantido intacto. Foi um agradável passeio ou uma luta infindável por cada gota de ar respirado? Não importa. Importa mesmo é se sua alma está imaculada. Teve ajuda e boas companhias ou trilhou o caminho na mais completa e absoluta solidão? Não faz diferença se manteve teu coração puro e solicito. Se durante o caminho conseguiu colocar à prova e comprovar a tese de que "os fins não justificam os meios", se o caminho te desafiou a mostrar o melhor de ti, e destes o melhor, e mesmo assim conseguistes chegar, então pode te considerar um vencedor e sentir-se orgulhoso de fazer parte do seleto grupo dos que reconquistaram a fé na vida e no caminho a ser trilhado.

As coisas podem começar como terminaram, ou até mesmo terminar como começaram. Meu caminho tem muito ainda dos mesmos passos lentos da dança que consumiu noites frias de um longo e longínquo inverno passado. Porque eu sei que nós "ESTAMOS LENTAMENTE DANÇANDO EM UM QUARTO EM CHAMAS" e continuaremos assim por um bom tempo ainda, quem sabe até que o fogo tenha se apagado, ou até que o fogo tenha nos consumido totalmente.


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